segunda-feira, 20 de maio de 2013

Há muitos anos atrás nada!

Um erro muito, mas muitíssimo comum na língua portuguesa é o uso de construções como "há 3 anos atrás". Todos já ouvimos isso. Pare seu dia por alguns minutinhos e ouça uma conversa. Alguém dirá "há sei lá quantos tempos atrás". É certeza. É vero. E se engana quem pensa que só iletrados fazem esse tipo de enunciado.  O que acontece é que as frases desse tipo são o mais perfeito exemplo de erro, se analisadas sob a luz estritamente normativa. O verbo haver, assim empregado no sentido de decorrer de tempo, já indica um fenômeno passado, feito, consumado. Portanto, o "atrás" é reduntante e de tão desnecessário ao sentido essencial da frase, é uma infração.
Contudo, essa é uma forma muito arraigada culturalmente, na fala dos mais diversos andares da pirâmide social. O professor Sérgio Nogueira, no programa Estúdio i, da Globo News, atribuiu uma causa interessante a esse uso. Segundo o gramático, ninguém vê o agá nas conversas, o que motiva a inserção do "atrás" nos períodos. Assim, só se objetiva deixar mais expícita a mensagem a se transmitir.
A intenção é boa - dar mais clareza e ênfase à comunicação verbal, mas não assegura aceitação unânime na língua. Algumas gramáticas mais modernas já compreendem essa finalidade e aceitam os "há atrás", mas são minoria. Na concepção dominante, a das palavras da Normatividade, isso é um erro. E as palavras da Normatividade ainda são dominantes. Ainda. 

domingo, 19 de maio de 2013

Duas pronúncias, mas nenhum erro

A prosódia é, numa definição direta, o nicho da gramática responsável pelo estudo das propriedas sonoras de vocábulos. Assim, é ela quem analisa e sistematiza a correta pronúncia e entonação de cada sílaba do léxico. Justamente por regular os inúmeros aspectos relacionados à correta fala, perpassando todo o idioma, a prosódia é uma campo linguístico imenso, um verdadeiro universo de agudos, graves, proparoxítonas e, inevitavelmente, erros. Dos deslizes relativos à pronúncia, pretendo tratar agora ( no futuro acabarei falando dos demais, que fique claro) daqueles que considero mais traiçoeiros: os relativos à dupla prosódia, id est, a dupla pronúncia.Pode parecer exagero tachar vocábulos que são meramente falados de dois jeitos diferente de traiçoeiros, mas a nossa última flor do Lácio é sempre surpreendente, tem sempre um segredinho morando na dobra das páginas dos dicionários que é necessário conhecer. Por exemplo, responda rápido: qual o correto, acrobata ou acróbata? Diz-se hieroglifo ou hieróglifo? Ambrosia ou ambrósia?
A verdade é que todas as formas acima estão corretíssimas, são perfeitamente equivalentes. Sua dupla prosódia possivelmente surgiu da entonação distinta dada às sílabas por falantes de determinados contextos, mas que têm respaldo na gramática. Um paulista, em algum momento ancestral dos infinitos éons da existência, disse "ambrosia", enquanto um soteropolitano falava "ambrósia", em meio a anfioxos, por um exemplo bem imaginativo. Ambas as formas são sustentadas normativamente - a primeira é paroxítona terminada em "a", que dispensa acento e a segunda é paroxítona terminada em ditongo crescente, o que justifica o sinal gráfico - e, por isso, se mantiveram no idioma.
Bem, interiorizar esse conhecimento, saber as formas duplas e corretas não é exatamente simples. Não há outra maneira para fazê-lo que não pelo contato com esses vocábulos. Seja na leitura, seja na prática de exercícios, seja pregando-os no espelho do banheiro e vê-los todo dia, é pela constante exposição às palavras que se adquire a noção daquilo que é o certo. E duas vezes certo.

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Aqui está uma lista com os principais casos de dupla prosódia, para ajudar:
  • acróbata (ó)/acrobata (ô)
  • ambrósia (ó)/ambrosia (ô)
  • adrido/anidrido
  • boêmia/boemia   
  • crisântemo/crisantemo (ê)
  • hieglifo (ó-ô)/hieroglifo (ô-ô) 
  • holia/homilia
  • protil (é)/projetil (ê)
  • réptil (é)/reptil (ê)
  • rox (é)/xerox (ê)
  • zangão/zangão
  • Ortoepia ê)/Ortoépia

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Manifesto Abiláquico (mas só um pouco)

      Eu escrevo isso aqui porque sou contra a língua portuguesa. Pelo menos contra como ela é concebida e ensinada hoje.
       Nas gramáticas, no discurso de professores e nas escolas, se divulga um idioma: o português padrão, o português norma culta. Mas o que é essa língua que, apesar de ensinada e reensinada, é tão distante do cotidiano, que pouquíssimos conseguem aplicar com fins práticos (quem consegue, por exemplo, listar meia dúzia de partículas expletivas de designação)? A norma culta é, fundamentalmente, a "língua" própria da classe dominante e, justamente por isso, a que garante  prestígio social. No mesmo raciocínio, por garantir distinção, é a modalidade idiomática disseminada pelas instituições oficiais, com suas características palavras exóticas, rebuscadas, que truncam qualquer frasinha.
      Tal concepção elitista, unilateral de gramática é claudicante porque coloca o português num patamar inacessível à maioria da população, num Olimpo de vocábulos eruditos ao qual só pouquíssimos Perseus muito dedicados têm acesso.
        É aí que chego ao título. Um dos pioneiros dessa ótica quase segregacional da divulgação da linguagem como sendo só a norma culta foi Olavo Bilac. Não que eu sequer discuta a qualidade de suas obras, seus sonetos são áureos e irreproduzíveis em lirismo e construção mangnânimos, mas a sistemática de ensino por ele, principalmente,  desenvolvida é formal demais, douta demais, um exagero que torna difícil transmitir a todos - o que é o objetivo fundamental de ensinar, de fato, uma língua - o português.
         Eu sou veementemente contrário a preciosismos e erudições desnecessárias. A língua não deve ser engessada por regras intrínsecas e pomposas de sintaxe ou superlativos arcaicos derivados do latim;  deve ser dinâmica, compreensiva e compreensível, e, acima de tudo, acessível a todos. Por língua acessível eu significo o português com construções corretas - e, primordialmente, úteis - acompanhado do mais sublime trabalho possível com um léxico: a literatura. Eu não quero dar aulas, quero mais é dar dicas, divulgar e estimular o gosto pela língua portuguesa, seja em diletantes ou estudantes precisando de apoio. Pretendo passar  por tópicos relevantes desde fonética, morfologia, linguística até as obras e ideias de Gregório de Matos, José de Alencar, Machado de Assis e, com um carinho especial, do Poeta das Estrelas.
   Oswald de Andrade sintetizou o projeto disso tudo estabelecendo que a língua - em torno da qual se organiza a antropofagia - é o que nos une social, econômica e filosoficamente. Quero incentivar esse sentimento, pondo em xeque tudo que for ininteligível e elitista no idioma. Quero é democratizar o que, de fato, é de todos.